(...) Minhas características distintivas talvez sejam a
contraditória vontade insofreável de compreender e o gosto de fazer, que me
converteram em híbrido de intelectual e fazedor.
(...) Obras, escritos, cargos, fiz, tentei e exerci muitos.
Nisto gastei minha vida. Uns poucos deles ficaram com a minha marca nos mundos
que passei, enquanto passava: um sambódromo, um parque indígena, museus, muitas
bibliotecas, demasiados ensaios, quatro romances, muitíssimas escolas, algumas
universidades. Não é pouco, quisera mais. Muito mais.
(...) Sou um homem de fazimentos.
Darcy Ribeiro in Educador de vanguarda e raízes na terra
Darcy Ribeiro sempre estudou os homens, no sentido humano e
também antropológico – sentido mais lato, que engloba origens, evolução,
desenvolvimento físico, material e cultural, fisiologia, psicologia,
características raciais, costumes sociais, crenças etc. – , criando para eles
instrumentos úteis para que não precisassem de ninguém para protegê-los.
Tinha como atenção primeira os índios e as crianças, no que
envolve sua educação e raízes, fontes de inspiração para suas lutas e
pesquisas. E foi assim também com o nosso Brasil – era preciso alguém para
cuidar desse espaço de terra e politizá-lo para deixar de ser um país dos
oprimidos.
Darcy ajudou a formar uma América Latina forte e una, capaz
de lutar por seus direitos e se impor perante aos países ricos. Era grande fã
da Inconfidência Mineira, pois achava o movimento a grande preocupação dos
brasileiros com eles mesmos.
Darcy nasceu em Montes Claros (MG), em 26 de outubro de
1922, e faleceu em Brasília (DF), em 17 de fevereiro de 1997. O ano de seu
nascimento foi de grande importância para as artes no Brasil, quando aconteceu
A Semana de 22 – Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e
Monteiro Lobato, entre outros, que mobilizaram os artistas para valorização de
suas raízes.
Parece que Darcy tinha em sua formação a assinatura, em
1928, do manifesto antropofágico, que propunha basicamente a devoração da
cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia,
transformando o produto importado em exportável. O nome do manifesto recuperava
a crença indígena: os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim
estavam assimilando suas qualidades. E o quadro Abaporu (aba = homem e poru = que
come), de Tarsila do Amaral, tinha tudo a ver com Darcy Ribeiro.
Darcy começou sua formação acadêmica em Ciências Sociais,
pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1946), com especialização em
Antropologia, nesta época abriu-se para ele horizontes e inquietações com
relação à condição dos índios, principalmente os do Brasil ou os “povos da
floresta”, como os costumava chamar.
Sua experiência profissional, como etnólogo do Serviço de
Proteção aos Índios, começou com o estudo de várias tribos indígenas – Mato
Grosso, Amazonas, Brasil Central, Paraná e Santa Catarina –, nos anos 1947 a
1956, e culminou com a fundação do Museu do Índio (1947), do Parque Indígena do
Xingu, e com uma grande obra etnográfica – elaborou para a UNESCO um estudo do
impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e
colaborou com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na preparação de um
manual sobre os povos aborígines de todo o mundo.
Darcy introduziu e organizou o primeiro curso de
pós-graduação em antropologia e foi professor de várias universidades e
institutos de antropologia. Em 1961, criou a Universidade de Brasília e foi o
primeiro reitor da Instituição. Foi ministro da Educação do Governo Jânio
Quadros (1961) e chefe da Casa Civil do Governo João Goulart, quando se responsabilizou
pelas reformas estruturais. Com o golpe militar de 1964, teve os direitos
políticos cassados e foi exilado.
No exílio, percorreu vários países da América Latina. Esteve
na Venezuela, Uruguai, Chile e Peru, onde ocupou vários cargos de confiança,
como: assessor dos presidentes Salvador Allende (Chile) e Velasco Alvarado
(Peru). Nesse período dedicou-se a produzir material de estudo sobre
antropologia e publicou seu romance de maior sucesso Maíra – marco sobre o
confronto entre “a integração ou interação” das raças branca e índia.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1976, teve 48
edições em oito línguas e ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com
resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro
e Antonio Houaiss, entre outros.
Em 1980, foi anistiado com o indulto oferecido aos que
sofreram com a ditadura militar e tiveram que sair do Brasil. Darcy já havia
voltado ao país quatro anos antes para continuar sua luta contra os opressores
e a favor de suas ideias. Ao retornar, ocupou cargos políticos ligados
principalmente à educação. Seu pensamento maior era a extinguir o analfabetismo
e com a ocupação do tempo das crianças na escola por um período mais longo,
inspirada no modelo americano.
Associou-se, em 1982, a Leonel Brizola e ao PDT, e foi
eleito vice-governador do estado do Rio de Janeiro. Nessa época, realizou uma
de suas maiores obras: foi o principal responsável pela criação de cerca de 500
Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) – as Escolas Integrais – dos
quais sentiu orgulho até o final da vida.
Criou também a Biblioteca Pública Estadual, a Casa
França-Brasil, a Casa Laura Alvin e o Sambódromo – batizado de Passarela Darcy
Ribeiro – uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer que mantêm 200 salas de aula
embaixo das arquibancadas.
Com relação aos níveis de educação, tanto se dedicou às
crianças – primeiras séries – quanto aos adultos, com projetos voltados ao
ensino superior.
Como parlamentar – foi eleito senador em 1990 – defendeu
várias leis de utilidade pública, tais como: lei dos transplantes que,
invertendo as regras vigentes, torna possível usar os órgãos dos mortos para
salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena
e mata milhares de crianças, entre outras.
Um dos pioneiros a levantar a bandeira da ecologia no país,
foi responsável pela revitalização da Floresta da Pedra Branca (RJ), o
tombamento de 98 quilômetros de praias e encostas, além de mais de mil casas do
Rio antigo.
Darcy amava a natureza, acima de qualquer outra arte.
Recebeu vários títulos: Doutor Honoris Causa da Sorbonne, da
Universidade de Copenhague, da Universidade da República do Uruguai e da
Universidade Central da Venezuela, entre outros. Também escreveu vários livros
(ver bibliografia) e foi um dos precursores dos cursos a distância, que
começaram a funcionar realmente em 1997.
Preocupava-se com o que deixaria para a humanidade além de
sua bibliografia.
Queria formar nas pessoas sentimentos que seguissem suas
ideias. Seu plano era formar uma fundação – a Fundação Darcy Ribeiro – sonho
concretizado.
Hoje, a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) destina-se a manter
obra e memória de seu fundador e a divulgar e promover atividades ligadas à
educação e à cultura no Brasil.
A Fundar é uma instituição cultural, de pesquisa e
desenvolvimento científico, autossustentável, com personalidade jurídica de
direito privado e não tem fins lucrativos. Os Conselheiros exercem suas funções
sem remuneração.
Darcy Ribeiro não foi só um educador, sua preocupação
envolveu também temas sobre antropologia, cultura, meio ambiente e política.
Tinha muitas ideias, concretizadas em vários projetos, para o bem do ser
humano.
Quando já estava muito doente, deitado na rede em sua casa
de Saquarema, tomando a brisa do mar, costumava dizer: “Fracassei em tudo o que
tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e
fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas
os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me
venceu”.
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