quinta-feira, 7 de junho de 2012

Darcy Ribeiro: protetor das crianças, dos índios e dos oprimidos



(...) Minhas características distintivas talvez sejam a contraditória vontade insofreável de compreender e o gosto de fazer, que me converteram em híbrido de intelectual e fazedor.

(...) Obras, escritos, cargos, fiz, tentei e exerci muitos. Nisto gastei minha vida. Uns poucos deles ficaram com a minha marca nos mundos que passei, enquanto passava: um sambódromo, um parque indígena, museus, muitas bibliotecas, demasiados ensaios, quatro romances, muitíssimas escolas, algumas universidades. Não é pouco, quisera mais. Muito mais.

(...) Sou um homem de fazimentos.

Darcy Ribeiro in Educador de vanguarda e raízes na terra

Darcy Ribeiro sempre estudou os homens, no sentido humano e também antropológico – sentido mais lato, que engloba origens, evolução, desenvolvimento físico, material e cultural, fisiologia, psicologia, características raciais, costumes sociais, crenças etc. – , criando para eles instrumentos úteis para que não precisassem de ninguém para protegê-los.

Tinha como atenção primeira os índios e as crianças, no que envolve sua educação e raízes, fontes de inspiração para suas lutas e pesquisas. E foi assim também com o nosso Brasil – era preciso alguém para cuidar desse espaço de terra e politizá-lo para deixar de ser um país dos oprimidos.

Darcy ajudou a formar uma América Latina forte e una, capaz de lutar por seus direitos e se impor perante aos países ricos. Era grande fã da Inconfidência Mineira, pois achava o movimento a grande preocupação dos brasileiros com eles mesmos.


Darcy nasceu em Montes Claros (MG), em 26 de outubro de 1922, e faleceu em Brasília (DF), em 17 de fevereiro de 1997. O ano de seu nascimento foi de grande importância para as artes no Brasil, quando aconteceu A Semana de 22 – Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Monteiro Lobato, entre outros, que mobilizaram os artistas para valorização de suas raízes.

Parece que Darcy tinha em sua formação a assinatura, em 1928, do manifesto antropofágico, que propunha basicamente a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em exportável. O nome do manifesto recuperava a crença indígena: os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim estavam assimilando suas qualidades. E o quadro Abaporu (aba = homem e poru = que come), de Tarsila do Amaral, tinha tudo a ver com Darcy Ribeiro.

Darcy começou sua formação acadêmica em Ciências Sociais, pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1946), com especialização em Antropologia, nesta época abriu-se para ele horizontes e inquietações com relação à condição dos índios, principalmente os do Brasil ou os “povos da floresta”, como os costumava chamar.

Sua experiência profissional, como etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios, começou com o estudo de várias tribos indígenas – Mato Grosso, Amazonas, Brasil Central, Paraná e Santa Catarina –, nos anos 1947 a 1956, e culminou com a fundação do Museu do Índio (1947), do Parque Indígena do Xingu, e com uma grande obra etnográfica – elaborou para a UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e colaborou com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na preparação de um manual sobre os povos aborígines de todo o mundo.


Darcy introduziu e organizou o primeiro curso de pós-graduação em antropologia e foi professor de várias universidades e institutos de antropologia. Em 1961, criou a Universidade de Brasília e foi o primeiro reitor da Instituição. Foi ministro da Educação do Governo Jânio Quadros (1961) e chefe da Casa Civil do Governo João Goulart, quando se responsabilizou pelas reformas estruturais. Com o golpe militar de 1964, teve os direitos políticos cassados e foi exilado.

No exílio, percorreu vários países da América Latina. Esteve na Venezuela, Uruguai, Chile e Peru, onde ocupou vários cargos de confiança, como: assessor dos presidentes Salvador Allende (Chile) e Velasco Alvarado (Peru). Nesse período dedicou-se a produzir material de estudo sobre antropologia e publicou seu romance de maior sucesso Maíra – marco sobre o confronto entre “a integração ou interação” das raças branca e índia.

O livro foi publicado pela primeira vez em 1976, teve 48 edições em oito línguas e ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro e Antonio Houaiss, entre outros.

Em 1980, foi anistiado com o indulto oferecido aos que sofreram com a ditadura militar e tiveram que sair do Brasil. Darcy já havia voltado ao país quatro anos antes para continuar sua luta contra os opressores e a favor de suas ideias. Ao retornar, ocupou cargos políticos ligados principalmente à educação. Seu pensamento maior era a extinguir o analfabetismo e com a ocupação do tempo das crianças na escola por um período mais longo, inspirada no modelo americano.


Associou-se, em 1982, a Leonel Brizola e ao PDT, e foi eleito vice-governador do estado do Rio de Janeiro. Nessa época, realizou uma de suas maiores obras: foi o principal responsável pela criação de cerca de 500 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) – as Escolas Integrais – dos quais sentiu orgulho até o final da vida.

Criou também a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvin e o Sambódromo – batizado de Passarela Darcy Ribeiro – uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer que mantêm 200 salas de aula embaixo das arquibancadas.

Com relação aos níveis de educação, tanto se dedicou às crianças – primeiras séries – quanto aos adultos, com projetos voltados ao ensino superior.

Como parlamentar – foi eleito senador em 1990 – defendeu várias leis de utilidade pública, tais como: lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar os órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças, entre outras.

Um dos pioneiros a levantar a bandeira da ecologia no país, foi responsável pela revitalização da Floresta da Pedra Branca (RJ), o tombamento de 98 quilômetros de praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo.

Darcy amava a natureza, acima de qualquer outra arte.


Recebeu vários títulos: Doutor Honoris Causa da Sorbonne, da Universidade de Copenhague, da Universidade da República do Uruguai e da Universidade Central da Venezuela, entre outros. Também escreveu vários livros (ver bibliografia) e foi um dos precursores dos cursos a distância, que começaram a funcionar realmente em 1997.

Preocupava-se com o que deixaria para a humanidade além de sua bibliografia.

Queria formar nas pessoas sentimentos que seguissem suas ideias. Seu plano era formar uma fundação – a Fundação Darcy Ribeiro – sonho concretizado.

Hoje, a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) destina-se a manter obra e memória de seu fundador e a divulgar e promover atividades ligadas à educação e à cultura no Brasil.

A Fundar é uma instituição cultural, de pesquisa e desenvolvimento científico, autossustentável, com personalidade jurídica de direito privado e não tem fins lucrativos. Os Conselheiros exercem suas funções sem remuneração.

Darcy Ribeiro não foi só um educador, sua preocupação envolveu também temas sobre antropologia, cultura, meio ambiente e política. Tinha muitas ideias, concretizadas em vários projetos, para o bem do ser humano.

Quando já estava muito doente, deitado na rede em sua casa de Saquarema, tomando a brisa do mar, costumava dizer: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

Paulo Freire: muito além da técnica em educação



Paulo Freire trouxe a esperança – mais precisamente a Pedagogia da Esperança – de um mundo melhor, idealizado na maneira como encarava a Educação do povo.

Sua contribuição como educador ultrapassou a barreira do ABC aprendido nas cartilhas e transformou a educação, encarada por ele como obrigação política do Estado, em ato de inserção social igualando classes, raças, sexos e idades.

Nascido Paulo Reglus Neves Freire, em 19 de setembro de 1921, o caçula de quatro irmãos, desde cedo manifestou uma tendência a tornar as palavras objeto especial.

Foi alfabetizado por seus pais e aprendeu as primeiras palavras escrevendo com gravetos no chão do quintal de sua casa em Recife (PE).

A família mudou-se para Jabotão – 18 quilômetros distante de Recife. Perdeu o pai com 13 anos e sofreu duplamente vendo a responsabilidade da mãe para sustentar quatro filhos e a si mesma.

As dificuldades fizeram o amor e afeto aumentarem na família e o fez crescer e amadurecer rapidamente.


O aprendizado que se seguiu foi o da tolerância e do limite, mas a cidade de Jabotão contribuiu muito para que ele não deixasse a fase se transformar em uma época pesada – na cidade aprendeu a ser menino e moleque harmonizando as forças.

E mais importante: aprendeu e tomou gosto, nessa época, pelos estudos das sintaxes populares e língua portuguesa.

Desde a primeira professora, D. Eunice, aprendeu a não decorar regras o que o fez estudar com muito mais prazer.

Fez os cursos fundamental e pré-jurídico no Colégio Oswaldo Cruz, em Recife, e ingressou aos 22 anos na Faculdade de Direito de Recife.

Em 1944, aos 23 anos casou-se com a professora primária Elza Maia Costa Oliveira com quem teve cinco filhos. Nessa época começou a lecionar Língua Portuguesa no Colégio Oswaldo Cruz.

Mais tarde, ocupou os cargos de diretor e superintendente do setor de Educação e Cultura do Sesi, órgão recém-criado pela Confederação Nacional da Indústria, onde iniciou o contato com a educação para adultos/trabalhadores.


Fundou nos anos 1950 o Instituto Capibaribe, instituição de ensino privado conhecida até hoje em Recife pelo seu alto nível de ensino e de formação científica, ética e moral voltada para a consciência democrática.

Foi membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife, e alguns anos depois, foi designado para o cargo de Diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife.

Passou a lecionar no nível superior e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação, defendendo a tese “Educação e atualidade brasileira”.

Participou do grupo “Conselheiros Pioneiros”, expressão com a qual os próprios integrantes se autodenominaram, escolhido pelo governador Miguel Arraes que apresentava o grupo como “pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação e cultura do estado pernambucano”.

Esse grupo foi destituído com o golpe de 1964.

Nessa época, Freire já mostrava envolvimento com uma educação peculiar que partia do saber popular, da linguagem popular, da necessidade popular, respeitando o concreto, o cotidiano e as limitações do povo.

Além disso, apresentava propostas de superação deste mundo de submissão, de silêncio e de misérias a que esse mesmo povo era submetido, apontando para um mundo de possibilidades.

Em 1963, ensinou 300 adultos a ler e escrever em 45 dias. 

Estava aí começando a ganhar nome o “Método Paulo Freire”.

Ainda muito utilizado, com algumas adaptações, nos dias de hoje em todo o mundo, o Método é baseado em um “convite” ao alfabetizando adulto para que ele se veja enquanto homem vivendo e produzindo em determinada sociedade.


Quê? Por quê? Como? Para quê? Por quem? Para quem? Contra quê? Contra quem? A favor de quem? A favor de quê? – são perguntas que provocam os alfabetizandos em torno da substantividade das coisas, da razão de ser delas, de suas finalidades, do modo como se fazem etc.

As atividades de alfabetização exigem a pesquisa do que Freire chamava “universo vocabular mínimo” entre os alfabetizandos. E trabalhando esse universo se escolhem as palavras que farão parte do programa.

Essas palavras, mais ou menos dezessete, chamadas “palavras geradoras”, devem ser palavras de grande riqueza fonêmica e colocadas, necessariamente, em ordem crescente das menores para as maiores dificuldades fonéticas, lidas dentro do contexto mais amplo da vida dos alfabetizandos e da linguagem local, que por isso mesmo é também nacional.

No momento em que o alfabetizando consegue, articulando as sílabas, formar palavras, ele está alfabetizado. O processo requer, evidentemente, aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização.

O trabalho de Paulo Freire é mais do que um método que alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como centro de suas preocupações a sua natureza política.


Paulo Freire esteve no exílio por quase dezesseis anos – de 1964 a 1969 no Chile; de 1969 a 1970 em Cambrigde, dando aula na Universidade de Havard e, de 1970 a 1979, em Genebra onde foi professor na universidade – exatamente porque compreendeu a educação dessa maneira peculiar e lutou para que um grande número de brasileiros tivesse acesso a esse bem a eles negado secularmente.

Depois de passar 16 anos “andarilhando” pelo mundo voltou ao Brasil em 1979 quando foi assinada a Anistia. Foi recebido com enorme festa. Mas seu retorno de fato aconteceu em 1980. Ainda sentia-se frustrado por não poder voltar ao seu Recife, mas sentiu na volta que poderia “re-aprender meu país”.

Tornou-se professor da Unicamp, nesse mesmo ano, por pressão de alunos e professores, onde permaneceu até 1990. “Por ato de sana injustiça há tanto tempo praticada” foi aposentado pelo governo federal, em 1991.

Após a morte de sua primeira mulher ficou muito abatido só conseguindo retornar “a vida” quando casou-se novamente com Nita (Ana Maria Araújo Freire), chamada carinhosamente assim por Freire, que a conhecia desde a infância.

Uma nova jornada de conquistas vem com essa outra fase de sua vida e assim torna-se Secretário de Educação do Município de São Paulo, no governo Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores que havia ajudado a formar.

Após abandonar a carreira política e acadêmica voltou a praticar aquilo que mais o satisfazia: escrever. Recebeu, ao longo desse enorme tempo de dedicação ao aprendizado, inúmeros prêmios e homenagens, nacionais e internacionais.

Foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, e, mais importante para ele, escolas do mundo inteiro receberam seu nome como batismo.

Faleceu em 1997, em São Paulo, dois anos depois de ganhar um presente que sempre desejou: uma bola de futebol de couro.

Conhecido por muitos, Freire não deixará que esqueçamos de suas características marcantes: traços seguros e ao mesmo tempo ternos e comunicativos.

Paulo Freire gostaria de ter sido um cantor famoso, mas foi, mundialmente reconhecido, um dos maiores educadores do século XX.

Endereços para conhecer melhor o “Método Paulo Freire”:
                             
http://www.paulofreire.org.br
http://maxpages.com/elias/Artigo_sobre_Paulo_Freire
http://www.paulofreire.org/metodo.htm