quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Fernandes, o melhor humorista do Planeta


Considerado um dos maiores frasistas brasileiros, o desenhista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor Millôr Fernandes morreu no dia 27 de março de 2012, aos 88 anos. Ele sofreu um acidente vascular cerebral em sua casa, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, durante a madrugada. Segundo o filho de Millôr, Ivan Fernandes, em entrevista ao G1, o escritor teve falência múltipla dos órgãos. 
De acordo com a família, o corpo do escritor foi velado no cemitério Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária do Rio, e depois cremado. Millôr Fernandes era o único irmão do jornalista Hélio Fernandes. Ele deixou mulher e dois filhos.


Jornalista, escritor, ilustrador, dramaturgo, fabulista, calígrafo, tradutor de Shakespeare, Molière e Brecht, inventor do frescobol, vice-campeão mundial de pesca ao atum na Nova Escócia em 1953 e “medalha de ouro no concurso para ele mesmo” (como uma vez se definiu), Millôr Fernandes foi, ao longo de mais de sete décadas de carreira, uma figura pública única no Brasil.

Um frasista brilhante que via no humor “a quintessência da seriedade”, como gostava de resumir, Millôr passou grande parte da vida profissional ameaçado pela censura — e debochando dela em comentários que iam do nonsense à crítica social aguda no espaço de poucas palavras.

Com passagens marcantes por veículos como O Cruzeiro, O Pasquim e Jornal do Brasil, entre muitos outros, ele participou de algumas das principais transformações da imprensa brasileira no século XX e se tornou um dos mais queridos cronistas do país.

Filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no Méier, bairro da Zona Norte carioca ao qual só se referia como “Meyer”, em 16 de agosto de 1923. A data de nascimento que constava de sua carteira de identidade, no entanto, era 25 de maio de 1924.


Outra confusão deu o nome com que se tornou conhecido. Seus pais queriam chamá-lo de Milton, mas o nome, escrito à mão, acabou lido e registrado no cartório como Millôr. Ao descobrir o engano, já com 17 anos, resolveu adotar a nomeação acidental.

Perdeu o pai e a mãe cedo, e a orfandade, dizia, o fez chegar não só à conclusão de que Deus não existe, como lhe proporcionou o que ele chamou de “a paz da descrença”: “Você nunca viu 10 mil incrédulos invadirem o país de outros 10 mil incrédulos para impor sua descrença”, escreveu, muitos anos depois, para defender sua posição.

Ainda jovem, começou a ler quadrinhos (aos quais, mais tarde, se referiria sempre como sua “maior influência intelectual”) e, logo, a fazer tiras e desenhos.

Em 1938, ganhou um concurso de crônicas da revista A Cigarra, onde foi trabalhar com o editor Frederico Chateaubriand.


Num dia em que um anunciante não enviou as quatro páginas de publicidade prometidas, Chateaubriand encarregou o jovem recém-chegado de preencher o espaço em branco: Millôr assinou como Vão Gogo e o sucesso foi tanto que o pseudônimo ganhou espaço permanente na coluna “Poste escrito”. Foi o início de um sucesso editorial sem precedentes na imprensa brasileira.

Após um período como diretor de A Cigarra e O Guri e colunista no Diário da Noite, Millôr foi em 1941 para O Cruzeiro.

Sua coluna “Pif Paf”, ainda assinada como Vão Gogo, dividia as páginas da revista com as reportagens de David Nasser (que Millôr definia como um péssimo caráter, mas um grande talento), as fotos de Jean Manzon (responsável pelas únicas imagens feitas do bailarino Nijinski internado no hospício), e desenhos de Carlos Estevão e Péricles, criador do “Amigo da Onça”.

Nessa fase, a circulação da revista saltou de 11 mil para 720 mil exemplares. Só por ter feito parte desta equipe, Millôr já teria garantido seu nome na história da imprensa e do humor brasileiros.


Mas conseguiu outras façanhas, graças ao seu espírito independente e crítico, que lhe renderam tantos problemas quanto admiradores: a saída de O Cruzeiro, em 1963, foi provocada por uma sátira ao Gênesis.

Sua “Verdadeira História do Paraíso”, em que ele critica Deus em verso (“essa pressa leviana/ demonstra o incompetente/ fazer o mundo em sete dias/ com a eternidade pela frente”) foi atacada em editorial publicado na própria revista, enquanto o humorista estava de férias.

Àquela altura, chamar Millôr de humorista era reduzir o alcance de suas atividades.

Ele já tinha se iniciado no ofício de tradutor de peças que o levaria a verter para o português um total de 74 obras teatrais, entre elas Hamlet, de Shakespeare, O Jardim das Cerejeiras, de Tchekov, Assim é se lhe Parece, de Pirandello e Antígona, de Sofócles.

Sua primeira peça, Uma Mulher em Três Atos, estreou em 1953.


Na mesma década, com um grupo de amigos de praia, ajudou a criar o frescobol, uma das criações de que mais se orgulhava. Num mosaico de azulejos de sua autoria na Praça Sarah Kubitschek, em Copacabana, homenageia a atividade: “único esporte com espírito esportivo, sem disputa formal, vencidos ou vencedores”.

Depois da saída de O Cruzeiro, Millôr continuou a variar suas atividades. Criou um quadro na TV Excelsior, Lições de um Ignorante, censurado por Juscelino Kubistchek (“Fui censurado por todos os governos, com exceção do Dutra”, disse ele em uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no fim dos anos 80).

Transformou a Pif-Paf em revista, mas a censura e a repressão após o golpe militar de 1964 fizeram com que a publicação fosse fechada após poucos números.


A experiência justificou o pessimismo do artigo de estreia em O Pasquim, semanário criado em 1969 por um grupo de jornalistas que não conseguia espaço para publicar, como o cartunista Jaguar, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Ivan Lessa e Tarso de Castro: “Se este jornal for independente, não dura três meses. Se durar três meses, não é independente”.

O Pasquim durou mais do que três meses, e manteve a independência — o que fez Jaguar classificá-lo de “o verdadeiro milagre brasileiro”.

O semanário tornou-se um sucesso por atacar a ditadura com uma ironia que muitas vezes escapava aos censores e espalhou para o resto do país o espírito do que se convencionou chamar de “a patota de Ipanema” — até o censor do jornal, de certa forma, orbitava em torno da aura do bairro: o militar era pai de Helô Pinheiro, que inspirou a música “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

A maior parte da equipe ficou dois meses presa no fim de 1970 — e Millôr, um dos que ficou de fora, assumiu a direção do jornal e tornou-se também ghost-writer dos colegas, escrevendo algumas seções no estilo deles, como forma de evitar que a publicação parasse, durante o que se chamou de “gripe do Pasquim”.


Millôr podia parecer subversivo para os militares — mas não aceitava de imediato qualquer novidade que parecesse uma subversão das regras vigentes, se não fosse bem justificada.

Foi por isso que o autor teatral de É... (grande sucesso de Fernanda Montenegro) desconfiou de Antonin Artaud e desdenhou do teatro Oficina de Zé Celso Martinez Corrêa. E o admirador de Bernard Shaw, defensor da liberdade das mulheres, criticou o movimento feminista.

O fundamental era manter a liberdade de pensar, para o escritor que, àquela altura, já escrevia para a revista Veja (da qual seria colaborador de 1968 a 1982 e, depois, de 2004 a 2009) pensamentos como “O natal vem aí: QUE HORROR”.

Quando o número 300 do Pasquim foi apreendido por ordem do então ministro da Justiça, Armando Falcão, em 1975, Millôr defendeu que Falcão fosse o alvo preferencial das sátiras do número seguinte.

O resto da equipe discordou, e ele deixou o jornal.


Foi também por não querer transigir com os diretores da revista Veja na campanha eleitoral para governador em 1982 — a primeira eleição direta para o cargo executivo desde 1964 — que Millôr saiu da Veja.

A revista queria que ele não defendesse a candidatura de Leonel Brizola e ele recusou-se (mais tarde, não se deteve em criticar o líder pedetista).

Mudando para o Jornal do Brasil, publicava charges, pequenos textos e poemas em um espaço quadrado na página de opinião do jornal.

Foi a partir do quadrilátero que acompanhou e criticou a transição do regime militar para a Nova República, e, empossado José Sarney como presidente, dedicou-se a atingir o político maranhense onde mais doía — na sua atividade literárias.

Quando Sarney publicou Brejal dos Guajás, Millôr ironizou frase por frase o início do romance, empenhado em demonstrar como nenhuma delas fazia sentido.


Ao lado de Sarney, Fernando Henrique Cardoso foi outro presidente alvejado pela produção intelectual — o alvo foi sua obra mais famosa, “Dependência e desenvolvimento na América Latina”.

As sátiras aos dois foram reunidas em “Crítica da razão impura ou o primado da ignorância” (L&PM).

“Fernando Henrique, o Lula barroco”, foi como se referiu certa vez ao ex-presidente, para irritar tanto petistas quanto tucanos.

Desenhista admirador de Saul Steinberg, Millôr teve exposições dedicadas a sua arte visual no Museu de Arte Moderna em 1957 e 1977, foi um dos primeiros artistas gráficos a usar o computador para suas criações, e migrou sem problemas para a internet: criou um site e, nos últimos tempos, havia aderido ao Twitter.

Em seu perfil, seguido por mais de 350 mil pessoas, distribuía as frases que o tornaram famoso, ou que adquiriram fama própria, longe do autor. Eis algumas delas:


“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”
“O otimista não sabe o que o espera”
“Eu também não sou um homem livre. Mas muito poucos estiveram tão perto”
“Nunca ninguém perdeu dinheiro apostando na desonestidade”
“Brasil, condenado à esperança”
“Brasil; um filme pornô com trilha de Bossa Nova”
“Todo homem nasce original e morre plágio”
“O dedo do destino não deixa impressão digital”

“Sabemos que VOCÊ, aí de cima, não tem mais como evitar o nascimento e a morte. Mas não pode, pelo menos, melhorar um pouco o intervalo?”
“Repito um velho conselho, cada vez mais válido, sobretudo pro Congresso: Quando alguém gritar “– Pega ladrão”, finge que não é com você”
“Quando os eruditos descobriram a língua, ela já estava completamente pronta pelo povo. Os eruditos tiveram apenas que proibir o povo de falar errado”
“A infância não, a infância dura pouco. A juventude não, a juventude é passageira. A velhice sim. Quando um cara fica velho é pro resto da vida. E cada dia fica mais velho”
“Não devemos odiar com fins lucrativos. O ódio perde a sua pureza”
“Um Homem só é completo quando tem família; mulher e filhos. Desculpe: completo ou acabado?”
“Deus é realmente um ser superior. Não há nada nem parecido no Governo Federal”
“Prudência: E devemos sempre deixar bem claro que nenhum de nós, brasileiros, é contra o roubo. Somos apenas contra ser roubados”
“Feliz é o que você percebe que era, muito tempo depois”
“Aprenda de uma vez: Se você acordou de manhã é evidente que não morreu durante a noite. A felicidade começa com a constatação do óbvio”

“Nem só comer e coçar é questão de começar. Viver também”
“Os ateus têm um Deus em que nem eles acreditam”
“O melhor do sexo antes do casamento é que depois você não precisa se casar”
“Tudo na vida tem uma utilidade – se não fosse o mau cheiro quem inventaria o perfume?”
“Voto de pobreza, obviamente só pode ser feito por rico”
“Errar é humano. Botar a culpa nos outros também”
“O problema de ficar na fossa é que lá só tem chato”
“Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor”
“Se durar muito tempo, a popularidade acaba tornando a pessoa impopular”
“Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar”
“O aumento da canalhice é o resultado da má distribuição de renda”
“A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades”
“Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem”


“Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”
“O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima”
“Chato…Indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”
“O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde”
“De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”
“Os nossos amigos poderão não saber muitas coisas, mas sabem sempre o que fariam no nosso lugar”
“Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo”
“Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos”
“O mal de se tratar um inferior como igual é que ele logo se julga superior”
“O homem é o único animal que ri. E é rindo que ele mostra o animal que é”




Chico Anysio, o melhor humorista do Brasil


O humorista Chico Anysio, de 80 anos, morreu na tarde do dia 23 de março de 2012, no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio, onde estava internado. O ator sofreu duas paradas cardíacas após sofrer falência múltipla dos órgãos e não resistiu.

Chico Anysio estava internado desde dezembro de 2011, quando apresentou um sangramento intestinal. Ele chegou a receber alta, mas um dia depois foi internado novamente, onde permaneceu sob cuidados médicos até entrar em óbito.

Durante todo o tempo em que esteve internado, sua mulher, Malga di Paula, deu informações sobre o estado de saúde para fãs e admiradores. Durante esse período, Chico foi submetido a uma laparotomia exploradora, que retirou um segmento de seu intestino delgado.


No final de 2010, ele foi levado ao mesmo hospital com falta de ar, e ficou internado por 110 dias, sendo liberado em março de 2011. Após ser detectada uma obstrução da artéria coronariana, ele passou por uma angioplastia, procedimento para desobstrução de artérias.

O comediante foi novamente internado no início de novembro com fortes dores nas costas. No fim daquele mês, foi descoberta uma contaminação por fungos, que foi tratada com antibióticos.

No começo de dezembro de 2011, Chico voltou a ser internado, desta vez com infecção urinária. A internação durou 22 dias. O humorista voltou para o hospital no dia 22 de dezembro, vindo a falecer três meses depois.

Chico Anysio nasceu em Maranguape, no Ceará, no dia 12 de abril de 1931. Ele se mudou com sua família para o Rio de Janeiro quando tinha seis anos de idade.


Iniciou a carreira na Rádio Guanabara, onde exercia várias funções, desde radioator até comentarista de futebol. Nas chanchadas da década de 50, Chico passou a escrever diálogos e, eventualmente, atuava em filmes da Atlântida Cinematográfica.

Em 1957 estreou na TV Rio o Noite de Gala. Em 1959, estreou o programa Só Tem Tantã, mais tarde chamado de Chico Total.

Além de escrever e interpretar seus próprios textos no rádio, TV e cinema, sempre com humor inteligente, Chico se aventurou no jornalismo esportivo, teatro, literatura e pintura, além de ter composto e gravado algumas canções como Hino ao Músico e Rancho da Praça XI.

O humorista estava na Rede Globo desde 1968 onde se destacou em programas como Escolinha do Professor Raimundo e Chico City.

Sua galeria de personagens conta com mais de duzentos tipos consagrados na televisão, como o Professor Raimundo, Alberto Roberto, Coronel Limoeiro, Qüem-Qüem, Bozó, Painho, Paulo Brasilis, Pantaleão, Bento Carneiro, Divino, Tim Tones, Nazareno, Preto Velho, Salomé, Coalhada e tantos outros.


Suas últimas participações na emissora foram em 2009 no especial Chico e Amigos e no Zorra Total, em 2010. Pouco tempo depois de receber alta, Chico se apresentou ao lado de Tom Cavalcanti o show Chico.Tom.

“Ainda estou muito debilitado. Para mim, o mês de agosto não passou, fui eu que passei por agosto. Tem três coisas que me deixam muito triste. A principal é não poder andar. Mas, se Deus quiser, até mês que vem já posso fazer isso. Vou começar a fisioterapia agora”, disse Chico antes da apresentação.

Em entrevista à jornalista Maria Beltrão, do programa Estúdio I, da Globo News, Agildo Ribeiro e Jô Soares falaram sobre como era o grande amigo.

“É o chamado luto nacional, o Brasil está mais triste, sem perspectiva de alegria. Morre um herói nacional, um combatente, um homem que lutou até o fim. Estou com meu coração arrebentado, dilacerado, de tanto que amava esse homem. Fiquei doido quando ele disse que eu era o maior humorista nacional”, declarou Agildo Ribeiro, que interpretou o personagem Andorinha, na Escolinha do Professor Raimundo.


“Acho que o Brasil inteiro estava pendurado nessa terrível agonia do Chico. Me lembra a agonia que o país passou com o Tancredo, foi grande ídolo nacional. Espero que ele não tenha sofrido, que tenha passado sem sofrer muito. Tem uma frase que diz que ninguém é insubstituível, mas o Chico é. Foi um grande criador, um dos grandes atores do mundo. Dirigi espetáculo dele onde aprendi demais. Ele sempre pegava a gente de surpresa com cada personagem”, diz Jô Soares.

“Trabalhar com ele na Escolinha era mais que trabalho, foi um aprendizado. Não que ele focasse ensinando, mas via nas suas pequenas reações. Foi importantíssimo para todos nós. Ele criou oportunidade para que uma nova geração confrontasse com a velha geração de comediantes. Aprendemos muito, foi um homem raro. Mais que comediante e ator, foi um homem importante para a história do Brasil”, falou David Pinheiro, que fez Sambarilove na Escolinha.

“A gente se conheceu há 50 anos. O Chico é um dos fenômenos humanos que não se repetem na vida da gente. Nunca mais vai ter um Pelé no futebol e nem outro Chico Anysio. Nenhum ator conseguiu fazer a quantidade de personagens que ele fazia. Ele era muito generoso, levava todos os artistas para os programas dele. A Escolinha do Professor Raimundo era para ajudar um monte de atores e prolongar a vida artística deles. Eu que fazia todos os cartazes de peças dele e as capas de livro. Sempre achei um absurdo não homenagearmos o Chico. Vou torcer muito para ele não ser esquecido. Vamos esperar que ele esteja em paz, pois foi muito tormentoso o fim dele”, declarou o escritor Ziraldo.


Ele foi casado com a atriz Nancy Wanderley, com quem teve o filho Lug de Paula, ex-marido de Heloísa Perissé e intérprete do Seu Boneco da “Escolinha do Professor Raimundo”. Lug nasceu em 1957.

Anos depois, Chico Anysio casou com a vedete Rose Rondelli. Quando Chico se uniu a Rose, ela já tinha o filho Duda, do casamento com Carlos Gil. Chico adotou Duda como filho.

Depois, Rose e Chico tiveram dois rebentos. O primeiro nasceu em 1964 e é Nizo Neto, ator, dublador e mágico. Entre os trabalhos mais famosos de Nizo, estão o Seu Pitolomeu da “Escolinha do Professor Raimundo”, e a voz de Ferris Bueller (Matthew Broderick) na dublagem de “Curtindo a Vida Adoidado” (1986).

O outro filho desse casamento é Rico Rondelli, hoje diretor de TV.

No final dos anos 1960, Chico adotou André Lucas, hoje comediante teatral e último empresário do próprio pai.


Chico e a atriz Alcione Mazzeo viveram juntos nos anos 70. O filho do casal é o hoje célebre Bruno Mazzeo, humorista, redator, apresentador. Com o programa de TV e filme “Cilada”, Bruno tornou-se ainda mais famoso. Bruno nasceu em 1977.

A atriz e cantora Regina Chaves fez parte do grupo As Frenéticas, que esteve no auge no Brasil entre 1977 e 1983. Em 1981, Regina deixou a banda e se casou com Chico, com quem teve Cícero Chaves, nascido em 1983, hoje DJ profissional, envolvido com produção de música eletrônica.


A economista Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Economia do Governo Collor, se casou com Chico no início dos 90. Eles tiveram dois filhos: Rodrigo e Vitória. Zélia e seus filhos vivem hoje nos EUA.

A empresária Malga de Paula foi a última esposa de Chico e a única com quem o humorista não teve filhos. Eles viveram juntos por 14 anos.


Chico teve três irmãos artistas: o compositor Helano de Paula, o cineasta Zelito Viana – pai do ator Marcos Palmeira – e a atriz Lupe Gigliotti, falecida em dezembro de 2011.

Lupe é mãe da atriz e diretora Cininha de Paula.

Cininha, por sua vez, foi casada com o ator e diretor Wolf Maya, com quem teve a filha Maria Maya, também atriz.


Em vida, Chico Anysio assumiu a identidade de dezenas de personagens e ancorou programas inesquecíveis. Nas suas contas, foram 209 personagens, alguns para outros atores – caso do inesquecível Primo Rico, com Paulo Gracindo, em dueto com Brandão Filho, o Primo Pobre. Vamos recordar alguns deles:
Bento Carneiro – O vampiro brasileiro, de sotaque interiorano, se apresentava como “aquele que vem do aquém do além, adonde que véve os mortos”, mas não assustava ninguém. Bordão: “Vampiro brasileiro... pzztt!”.
Hilário – Médico que tem por hábito fazer perguntas constrangedoras.
Alberto Roberto – Galã e âncora de um talk show, se considera um símbolo sexual. Sua marca é uma touca de renda na cabeça. Bordão: “Não garavo”.
Nazareno – Funcionário público que trata mal a mulher por ela ser muito feia. Bordões: “Ca-la-da!”; “Isso não é mulher”.
Popó – Apolônio Trunfas de Pandolé e Pandolé é um museólogo aposentado e ranzinza que diz ter 364 anos. Arrancava gargalhadas devido às brigas com seu amigo Alpamerindo. Bordão: “Alpamerindo, você é idiota. Você é iiidiota!”.
Coalhada – Jogador de futebol estrábico, de bigode e cabelos encaracolados. Apesar de jogar mal, se considera um craque.

Divino – Guia espiritual, líder de uma “seita religiosa”. Dá preferência às mulheres em suas consultas. 
Salomé – Personagem gaúcha ficou famosa por conversar intimamente com o presidente Figueiredo. Bordão: “Eu faço a cabeça do João Batista ou não me chamo Salomé”. 
Urubulino – Sujeito pessimista e agourento, que sempre acredita que tudo dará errado.
Idalino ou Fumaça – Português e vascaíno, dono de um boteco, conhecido pelo nervosismo. Tem o bordão “Tatata tarariu!”.
Gastão Franco – Homem rico e extremamente pão-duro. 
Painho – Pai de santo homossexual que lê os búzios para baianos ilustres.
Pantaleão – Com visual inspirado em Dom Pedro II, o personagem aposentado vivia em sua cadeira de balanço a contar histórias falsas. Bordão: “É mentira, Terta?”.
Bozó – Diz que trabalha na TV Globo como “diretor-gerente” e usa um crachá para tentar provar. 

Professor Raimundo – O famoso personagem retratava as decepções e as esperanças de um professor brasileiro mal remunerado. Bordão: “E o salário, ó!”.
Haroldo – Personal trainer que tenta convencer todo mundo de que não é homossexual. 
Tim Tones – Personagem era paródia de psicopata fanático religioso. Só queria se dar bem às custas dos fiéis. Bordão: “Que a paz de Tim Tones esteja em todos os lares”.
Justo Veríssimo – Político corrupto que não suporta pobres. Bordão: “Quero que pobre se exploda!”.
Azambuja – Trambiqueiro carioca e ex-jogador de time de futebol. Famoso pelas trapaças em parceria de seu colega Linguiça. Bordão: “Tô contigo e não abro
Baiano – O personagem era uma sátira do cantor Caetano Veloso em sua época de integrante do grupo Novos Baianos. Bordão: “Legal... Tô numa boa. Tá sabendo, Paulinho?”.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Biografia de Rubem Braga


Rubem Braga ladeado por Paulo Mendes Campos, Carlinhos de Oliveira, Sergio Porto, Fernando Sabino e Vinicius de Moraes

Na noite de segunda-feira, 17 de dezembro de 1990, o escritor Rubem Braga reuniu um pequeno grupo de amigos, cada vez mais selecionados por ele, na sua cobertura em Ipanema.

Foi uma visita silenciosa, mas claramente subentendida pelos amigos Moacyr Werneck de Castro, Otto Lara Resende e Edvaldo Pacote.

Às 23h30 da noite de quarta-feira, sedado num quarto do Hospital Samaritano, Rubem Braga morreu, sozinho como desejara e pedira aos amigos.

A causa da morte foi uma parada respiratória em conseqüência de um tumor na laringe que ele preferiu não operar nem tratar quimicamente.


Rubem Braga, considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim (ES), a 12 de janeiro de 1913.

Iniciou seus estudos naquela cidade, porém, quando fazia o ginásio, revoltou-se com um professor de matemática que o chamou de burro e pediu ao pai para sair da escola.

Sua família o enviou para Niterói, onde moravam alguns parentes, para estudar no Colégio Salesiano.

Iniciou a faculdade de Direito no Rio de Janeiro, mas se formou em Belo Horizonte (MG), em 1932, depois de ter participado, como repórter dos Diários Associados, da cobertura da Revolução Constitucionalista, em Minas Gerais — no front da Mantiqueira conheceu Juscelino Kubitschek de Oliveira e Adhemar de Barros.


Na capital mineira se casou, em 1936, com Zora Seljan Braga, de quem posteriormente se desquitou, mãe de seu único filho Roberto Braga.

Foi correspondente de guerra do Diário Carioca na Itália, onde escreveu o livro Com a FEB na Itália, em 1945, sendo que lá fez amizade com Joel Silveira.

De volta ao Brasil morou em Recife, Porto Alegre e São Paulo, antes de se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro, primeiro numa pensão do Catete, onde foi companheiro de Graciliano Ramos; depois, numa casa no Posto Seis, em Copacabana, e por fim num apartamento na Rua Barão da Torre, em Ipanema.

Sua vida no Brasil, no Estado Novo, não foi mais fácil do que a dos tempos de guerra.

Foi preso algumas vezes, e em diversas ocasiões andou se escondendo da repressão.

Seu primeiro livro, O Conde e o Passarinho, foi publicado em 1936, quando o autor tinha 22 anos, pela Editora José Olympio.

Na crônica-título, escreveu: “A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde.”


De fato, quase tanto como pelos seus livros, o cronista ficou famoso pelo seu temperamento introspectivo e por gostar da solidão.

Como escritor, Rubem Braga teve a característica singular de ser o único autor nacional de primeira linha a se tornar célebre exclusivamente através da crônica, um gênero que não é recomendável a quem almeja a posteridade.

Certa vez, solicitado pelo amigo Fernando Sabino a fazer uma descrição de si mesmo, declarou: “Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte. Como o marido que tem que dormir com a esposa: pode estar achando gostoso, mas é uma obrigação. Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento.”

Foi com Fernando Sabino e Otto Lara Resende que Rubem Braga fundou, em 1968, a editora Sabiá, responsável pelo lançamento no Brasil de escritores como Gabriel Garcia Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges.


Segundo o crítico Afrânio Coutinho, a marca registrada dos textos de Rubem Braga é a “crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza.”

A chave para entendermos a popularidade de sua obra, toda ela composta de volumes de crônicas sucessivamente esgotados, foi dada pelo próprio escritor: ele gostava de declarar que um dos versos mais bonitos de Camões (“A grande dor das coisas que passaram”) fora escrito apenas com palavras corriqueiras do idioma.

Da mesma forma, suas crônicas eram marcadas pela linguagem coloquial e pelas temáticas simples.

Como jornalista, Braga exerceu as funções de repórter, redator, editorialista e cronista em jornais e revistas do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife.

Foi correspondente de O Globo em Paris, em 1947, e do Correio da Manhã em 1950.


Amigo de Café Filho (vice-presidente e depois presidente do Brasil) foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, no Chile, em 1953.

Em 1961, com os amigos Jânio Quadros na Presidência e Affonso Arinos no Itamaraty, tornou-se Embaixador do Brasil no Marrocos.

Mas Braga nunca se afastou do jornalismo.

Fez reportagens sobre assuntos culturais, econômicos e políticos na Argentina, nos Estados Unidos, em Cuba, e em outros países.

Quando faleceu, era funcionário da TV Globo.

Seu amigo Edvaldo Pacote, que o levou para lá, disse: “O Rubem era um turrão, com uma veia extraordinária de humor. Uma pessoa fechada, ao mesmo tempo poeta e poético. Era preciso ser muito seu amigo para que ele entreabrisse uma porta de sua alma. Ele só era menos contido com as mulheres. Quando não estava apaixonado por uma em particular, estava apaixonado por todas. Eu o levei para a Globo. Ele escrevia todos os textos que exigiam mais sensibilidade e qualidade, e fazia isto mantendo um grande apelo popular.”


Bibliografia:

CRÔNICAS:

O Conde e o Passarinho, 1936

O Morro do Isolamento, 1944

Com a FEB na Itália, 1945

Um Pé de Milho, 1948

O Homem Rouco, 1949

50 Crônicas Escolhidas, 1951

Três Primitivos, 1954

A Borboleta Amarela, 1955

A Cidade e a Roça, 1957

100 Crônicas Escolhidas, 1958

Ai de ti, Copacabana, 1960

O Conde e o Passarinho e O Morro do Isolamento, 1961

Crônicas de Guerra - Com a FEB na Itália, 1964

A Cidade e a Roça e Três Primitivos, 1964

A Traição das Elegantes, 1967

As Boas Coisas da Vida, 1988

O Verão e as Mulheres, 1990

200 Crônicas Escolhidas

Casa dos Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil)

1939 - Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), 2002

Histórias do Homem Rouco

Os melhores contos de Rubem Braga (seleção Davi Arrigucci)

O Menino e o Tuim

Recado de Primavera

Um Cartão de Paris

Pequena Antologia do Braga


ROMANCES:

Casa do Braga

ADAPTAÇÕES:

O Livro de Ouro dos Contos Russos

Os Melhores Poemas de Casimiro de Abreu (Seleção e Prefácio)

Coleção Reencontro Audiolivro - Cirano de Bergerac - Edmond Rostand

Coleção Reencontro: As Aventuras Prodigiosas de Tartarin de Tarascon Alphonse Daudet

Coleção Reencontro: Os Lusíadas - Luis de Camões (com Edson Braga)

TRADUÇÃO:

Antoine de Saint-Exupéry - Terra dos Homens.

SOBRE O AUTOR:

Na Cobertura de Rubem Braga - João Castello

Rubem Braga - Jorge de Sá

Rubem Braga - Um cigano fazendeiro do ar - Marco Antonio de Carvalho

O Verão e as Mulheres


Por Rubem Braga

Talvez tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.

Estamos tranquilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.

Sim, as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.

Entregam-se a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.

Observei uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.

Se realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.

Vamos atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As que sobreviveram a este verão.

Março, 1953.


(texto extraído do livro “A Cidade e a Roça”, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 27)

Ai de ti, Copacabana!


Por Rubem Braga

1. Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.

3. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniqüidades e de tua malícia.

4. Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.

6. Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão.

6. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.

7. E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska.

8. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.

9. Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.

10. Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.

11. Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.

12. Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.}

13. Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.

14. E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações.

15. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

16. Antes de te perder eu agravarei s tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

17. E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará.

18. E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas.

19. Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.

20. A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará.

21. Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares.

22. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!

Rio, janeiro, 1958


(texto extraído do livro “Ai de ti, Copacabana”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1960, pág. 99)

Como comecei a escrever


Por Rubem Braga

Já contei em uma crônica a primeira vez que vi meu nome em letra de forma: foi no jornalzinho “O ltapemirim”, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos do colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim.

O professor de Português passara uma composição “A Lágrima” – e meu trabalho foi julgado tão bom que mereceu a honra de ser publicado.

Eu ainda estava no curso secundário quando um de meus irmãos mais velhos, Armando, fundou em Cachoeiro um jornal que existe até hoje – o “Correio do Sul”.

Fui convidado a escrever alguma coisa, o que também aconteceu com meu irmão Newton, que fazia principalmente poemas.

Eu escrevia artigos e crônicas sobre assuntos os mais variados; no verão mandava da praia de Marataizes uma crônica regular, chamada “Correio Maratimba”.

Quando fui para o Rio (na verdade para Niterói) por volta dos 15 anos, mandava correspondência para o Correio.

Continuei a fazer o mesmo em 1931, quando mudei para Belo Horizonte.

A essa altura meu irmão Newton trabalhava na redação do “Diário da Tarde” de Minas.

Em começo de 1932 ele deixou o emprego e voltou para Cachoeiro; herdei seu lugar no jornal.

Passei então a escrever diária e efetivamente, e fui aprendendo a redigir com os profissionais como Octavio Xavier Ferreira e Newton Prates.

Quando terminei meu curso de Direito, resolvi continuar trabalhando em jornal.

Fazia crônicas, reportagens e serviços de redação.

Ainda em 1932 tive uma experiência bastante séria: fui fazer reportagem na frente de guerra da Mantiqueira missão aventurosa porque a direção de meu jornal era favorável à Revolução Constitucionalista dos paulistas, e eu estava na frente getulista.

Acabei preso e mandado de volta.

A essa altura eu já era um profissional de imprensa, e nunca mais deixei de ser.


(texto extraído do livro “Para Gostar de Ler - Volume 4 – Crônicas”, Editora Ática – São Paulo, 1980, pág. 4)