segunda-feira, 1 de junho de 2015

Desafinando o coro dos contentes em Braxília


Nicolas Behr (Nikolaus von Behr) nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1958. Estudou o primário com padres salesianos, em Diamantino, onde os pais eram fazendeiros. Mudou-se para a capital aos 10 anos e sonhava ser geólogo. Mora em Brasília desde 74.

Em 77 lançou seu primeiro livrinho, Iogurte com Farinha, impresso gloriosamente e mimeografado nas dependências do Colégio Setor Leste, quando da morte de Elvis Presley, exatamente um ano após a morte de Juscelino Kubitschek.

O livrinho se transformou no maior “best seller” da poesia marginal. Tirou mais de 8 mil exemplares, sempre de mão em mão, vendido apenas pelo autor em suas perambulações pelo campus, a rodoviária, bares e entrequadras.

Em 1978, após lançar Grande Circular, Caroço de Goiaba, Bagaço e Chá com Porrada, foi preso pelo DOPS por “ posse de material pornográfico” (na verdade, por suas atividades políticas no movimento estudantil) sendo julgado e absolvido no ano seguinte. O Dr. D’Alambert Jaccoud foi seu advogado. Foi um processo tão absurdo e surrealista, que Nicolas Behr acabou nas Páginas Amarelas da revista Veja para contar sua versão dos fatos.

De 1980 a 1986 foi redator em várias agências de propaganda da cidade. Em 1982 criou, juntamente com Zunga e Lacerda, o MOVE – Movimento Ecológico de Brasília – primeira ONG ambientalista da capital federal. Em 1987 morou em Washington DC, EUA, vindo a trabalhar na FUNATURA – Fundação Pró-Natureza de 1988 a 1990.


De lá pra cá dedica-se à produção e comercialização de mudas, seu antigo “hobby”, sendo pioneiro na produção de mudas de espécies nativas dos cerrados, especializando-se em palmeiras e em frutas e árvores raras. Voltou a publicar seus livros de poesia a partir de 1993, com Porque Construí Braxília.

Sócio-Gerente da Pau-Brasília viveiro.eco.loja. Casado com Alcina Ramalho desde 1986, tem três filhos: Erik (1990) Klaus e Max (gêmeos – 1992). Mora na Península Norte.

Em 2006, ele lançou a coletânea Restos vitais, que contém não apenas os poemas dos cinco primeiros volumes como documentos históricos da maior importância: fac-símiles das capas e folhas de rosto dos livrinhos e, o que é melhor, cópias dos processos movidos contra o poeta, pelo Ministério Público, por porte de material pornográfico, e a sentença do juiz absolvendo-o das acusações.

A arte de Nicolas Behr possui vários aspectos a mobilizarem o leitor e merecerem comentários: um é seu valor intrínseco, os poemas curtos, diretos, secos (às vezes derramados, mas pieguice jamais). O humor (às vezes negro, por que não?) sempre presente, a crítica ácida ou suave, como quem, em vez de perfurar o oponente, prefere rir dele.

É o caso dos desenhos presentes em Grande circular, que trocam as críticas ao Congresso por “brincadeiras” que fazem dos prédios do Senado e da Câmara lápis, carrinho, gilete, Palácio do Planalto. Não é à toa que uma das acusações da Justiça aponte os desenhos como provas contra o denunciado. E também não é à toa que tais críticas perdurem e sejam tão atuais quase 30 anos depois…

A par de seu valor como poesia e crítica, no entanto, Restos vitais oferece outros sabores a serem curtidos. “O nome dá a pista: o que sobrou do que fui, mas que ainda me mantém vivo”, explica Nicolas Behr. “Não são restos mortais, portanto. São vitais. São indícios de presente vindos direto do passado, são histórias, testemunho de um tempo que muitos não viveram, mas que podem vivenciar por intermédio do poeta.”

Afinal, não tem sido, nos últimos milênios, esta a função dos poetas, pelo menos dos grandes e bons? Poesia que remete e traz de volta, que ensina sem que se perceba.



*
se é para bem de todos
e felicidade geral da nação
diga ao povo
que direitos, direitos
humanos à parte

*
se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
diga ao povo
que fique

*
se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
diga ao rei
que o povo fica

*
se é para o bem de todos
e felicidade geral da nação
diga ao povo
que a entrada é pelos fundos

*
quem teve a mão decepada
levante o dedo

*
Deus está morto
Marx está morto
eu estou morto
vou enterrar os três
depois de amanhã

*
ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama Nicolas Behr

*
o telefone toca
a vida
por um fio

*
não vou com tua cara
nem a pau
...
não sou oito
nem oitenta
sou oitenta e oito
...
hoje andei
feito um pedestre
...
meu nome de guerra?
gregório de mattos
...
meus caninos
tão doendo
pra cachorro

*
sou um poeta
sem eira nem beira
ninguém me chama
Manuel Bandeira

*
a poesia não morreu
ela tá apenas
enterrando a gente

*
você tem uma hora de prazo
pra escovar os dentes
pagar suas dívidas
comprar um carro zerinho
e dar um tiro na cabeça

*
matei a aula no recreio
estrangulei o professor na sala de espera
esquartejei meu colega de banheiro
esfolei o professor no intervalo
torturei o porteiro na saída
passei em todos os vestibulares da vida

*
na quinta-feira
da semana passada
esqueci minha boca
dentro do armário
naquele dia
não mordi ninguém

*
xingar um cara desse
de filho da puta dá cadeia?

*
entro na sala
sem pedir licença
sem por favor
sem muito obrigado
vou direto ao assunto
como vai?
tudo bem?
saio sem fechar a porta

*
enfim, era preciso sabe
quanto cimento será gasto
numa ponte por onde ninguém
passará de mãos dadas


MANCHETE DE 2001

OBJETOS VOADORES
NÃO IDENTIFICADOS
SOBREVOAM A CIDADE
(eram duas borboletas)


A VOLTA DO POETA

Depois de depor no DOPS
voltou pra casa angustiado
abraçou-se à máquina de escrever
e datilografou:
- Poesia,
aqui me tens de regresso...


BRAXÍLIA (RECOMPOSIÇÃO)

*
começa a demolição
quero pra mim
os anjos da catedral

*
a última coisa
que quero fazer
em brasília é morrer

*
estou salvo:
a poesia não é tudo

*
centro cultural
nicolas behr?
nem morto


PALAVRA FINAL

amai-vos uns aos outros
e o resto que se foda


Para ler outros poemas de Nicolas Behr acesse http://www.nicolasbehr.com.br/

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